
Cidades, Covid-19 e seu impacto na Paisagem brasileira
Como parte do Dia Mundial das Cidades 2020, Dr. Ian Mell, Professor de Planejamento Ambiental e da Paisagem, Escola de Meio Ambiente, Educação e Desenvolvimento (SEED), Universidade de Manchester, debate sobre o impacto que a pandemia tem tido nas cidades no Brasil e em suas comunidades. Esse texto foi elaborado com Dr. Camila Gomes Sant’ Anna, pesquisadora visitante no SEED, pesquisando sobre a infraestrutura verde como uma ferramenta de planejamento e projeto com Dr. Ian Mell, em uma pesquisa brasileira financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
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Para que e para quem são as cidades? Seu propósito é o crescimento econômico, uma plataforma para as artes ou prover habitat para diferentes espécies? A pandemia da Covid-19 trouxe todas estas questões à tona.
O Governo, a mídia e, mais importante, as comunidades têm sido forçadas a repensar sua relação com as áreas urbanas, visto que sua “liberdade de ir e vir” tem sido restringida pelos lockdowns.
Os impactos do Covid 19 foram profundamentes sentidos pelas cidades. Dentro do “novo normal” de equilíbrio entre trabalho e moradia, há espaço para compreender o valor da cidade como um lugar de sociabilidade, mobilidade e troca. Nós sabemos que não importa o poder aquisitivo, todos são suscetíveis à Covid-19, mas a população de baixa-renda está mais propensa a ser infectada, devido a fatores como casas super habitadas e a impossibilidade de trabalhar de forma remota.
Uma observação é, portanto, necessária, refletindo sobre o direito à cidade, na verdade, o direito à Paisagem, recursos e amenidades. Esta afirmação envolve uma compreensão da função social da terra e como contribui para o desenvolvimento urbano no Brasil, considerando as diferentes características dos biomas e sua cultura popular. Com o intuito de garantir não apenas a biodiversidade, saúde e adaptação às mudanças climáticas, como também a conservação do patrimônio cultural e a participação social.
Complexidades
As reações ao COVID-19 no Brasil ilustram a complexidade desta questão. Apesar do aumento de infecção, já que casos de COVID -19 foram identificados em 98% das cidades, o governo continua concentrando seu foco nos escândalos políticos e nas disputas partidárias.
Além disso, os fogos na floresta Amazônica, no Pantanal, no Cerrado e em outros lugares, a falta de serviços básicos e o direito das pessoas à Paisagem sendo negligenciado coloca o meio ambiente como um aspecto fundamental para novas concepções urbanas pós-pandemia.
Nas esferas políticas e sociais desentendimentos são generalizados. A divisão que existe na sociedade Brasileira baseada em poder econômico e etnia são reforçados, enquanto a gravidade da COVID-19 tem sido minimizada por alguns setores, incitando a agitação pública contra os lockdowns estabelecidos pelos governos estaduais. Isso se provou profundamente problemático, por causa da forma urbana das cidades brasileiras e o direito da população a recursos essenciais como água, eletricidade, habitação e espaço público.
As cidades no Brasil são um amálgama complexo de território público e privado. As propriedades dos mais ricos podem ficar cara a cara com as favelas - onde predomina a precarização da saúde e a desigualdade econômica. As linhas da segregação econômica são nitidamente visíveis. Além disso, o governo brasileiro está promovendo a estabilidade econômica em detrimento da saúde e do bem-estar de seu povo por meio de sua abordagem do “direito de ir e vir”. No entanto, em atitude desafiadora, os governos estaduais brasileiros estabeleceram regras de bloqueio na tentativa de limitar a propagação da infecção.
Além disso, como 40% dos trabalhadores no Brasil atuam no setor informal, eles têm pouca ou nenhuma estabilidade de emprego e são obrigados a continuar trabalhando para sobreviver. Como as disputas intergovernamentais prosseguem, as pessoas são continuamente mal informadas sobre a taxa de infecção no Brasil e estão sendo solicitadas a tomar decisões relativas ao seu próprio bem-estar.
O direito a estar ao ar livre
O Brasil é também uma nação que vive ao ar livre. Há um amplo uso de espaços públicos, localizados, em elevada proporção, nas áreas mais nobres. Como consequência do confinamento, aqueles que não tem acesso a casas de campo, praias e resorts, tem se isolado em suas casas. A falta de igualdade entre as partes da sociedade veio à tona por causa da Covid-19. Aqueles que podem pagar por serviços privados de saúde e recreação o fazem, enquanto aqueles sujeitos às medidas de austeridade introduzidas após a recessão de 2014-16 assumem riscos.
Embora as cidades brasileiras possuam extensos parques, praias, zonas ribeirinhas e outros espaços públicos, sua localização, sua disponibilidade, tamanho e qualidade variam. A população mais carente está, dessa forma, sendo pressionada para tomar uma decisão: ficar em casa sem a infraestrutura básica, educar seus filhos e colocar em risco o seu bem-estar ou atravessar a cidade para trabalhar e expostos a infecção - tudo isso em transportes públicos lotados e raros. Este é um ponto crucial da desigualdade no Brasil. Ainda que existam amenidades, elas não são inclusivas, de imediato, a todos. Como consequência, as pessoas têm o uso do espaço público limitado e sua prática de exercício público individual ou em grupo restringida.
Desenvolvimento para todos
Não é possível culpar apenas COVID-19 pelas dificuldades vivenciadas pelos cidadãos brasileiros, mas a pandemia destaca a proeminência da desigualdade. Porém, isso não é fácil de resolver. O desenvolvimento urbano está condicionado à especulação imobiliária, ao desmonte silencioso das políticas ambientais e às segregações socioculturais em curso, como a violação do direito das minorias indígenas. Planejadores urbanos também estão sujeitos às pressões políticas para apresentar investimentos (normalmente para os residentes mais abastados), o que reforça a segregação. Como Neckel et al (2020) notaram, a provisão de parques públicos têm um impacto positivo na prosperidade econômica local e deve ser financiada para garantir o bem-estar de todos.
O que o Covid- 19 fez foi colocar a desigualdade diretamente na percepção do público. Os lockdowns locais fizeram os moradores reconsiderar seus direitos urbanos, forçando os políticos a explicar por que o acesso a parques e espaços públicos é desigual. Isto ilustra a capacidade de resiliência do brasileiro e, em muitos lugares, vemos manifestações se espalhando: o coletivo Projetemos está usando projeções luminosas, tentando conscientizar sobre a importância de mudar a dinâmica da Paisagem da nossa cidade e de lutar não só pela sobrevivência, mas também por uma vida melhor.
É necessário repensar a forma que as cidades são planejadas “de forma a inverter a mão de direção do planejamento tradicional, pensando não na habitação, mas como sistema, de relações, no qual a habitação, a infraestrutura, a produção e o social fazem parte e engendram o desenho de habitar território”. Embora seja ingênuo considerar a Covid-19 como um ponto de inflexão para a equidade econômica e sociocultural no Brasil, ela potencialmente coloca a Paisagem em uma posição central para se garantir o desenvolvimento para todos no futuro.
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Dr Ian Mell
Senior Lecturer in Environmental and Landscape Planning (SEED), The University of Manchester.
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Dr Camila Gomes Sant’Anna
Visiting Research Fellow at the School of Environment, Education and Development researching “The green infrastructure as a tool of landscape planning and design", with Dr Ian Mell.
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The Conversation: Dr Ian Mell
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